sábado, 23 de outubro de 2010

A “REOCUPAÇÃO” DO JB


Em entrevista concedida ao Blog Lá no JB, o fotógrafo Rogério Reis fala sobre a produção do documentário Av. Brasil 500, uma produção dele com a jornalista Regina Zappa e diretor de fotografia de
Sérgio Sbragia. O filme será composto de relatos de pessoas que trabalharam no prédio do Jornal do Brasil da Av. Brasil e ao visitarem o prédio, já abandonado pelas marcas do tempo, contam histórias e lembranças do JB.


Lá no JB - Como foi a sua trajetória no JB?

Comecei em 1977 como estágio da faculdade de comunicação, saí em 1980 e logo depois retornei como fotógrafo. Depois saí novamente, retornando em 1996 como editor de fotografia.


Lá no JB - Como Surgiu a ideia de produzir o documentário?

Como eu já vinha fazendo um trabalho de fotografar os escombros do prédio, conversei com a Regina e ela propôs de fazer um documentário, Achei ótimo. Nós queríamos aproveitar o que restou antes da reforma do prédio a fim de causar um impacto na sua concepção de arquitetura. No prédio eu fiz uma produção inicial, que será o coração do filme. O filme contará a história do Jornal do Brasil através do prédio JB que era situado na Av. Brasil 500, onde será futuramente um hospital, que está quase pronto.
Mas antes mesmo começar o a fotografar eu nunca conseguia autorização para entrar no prédio. Só consegui depois que passou a ser do governo federal, e a partir disso foi muito fácil entrar no prédio.



Andar do prédio JB, da Av. Brasil 500.
Foto: Rogério Reis

Lá no JB - Houve outros empecilhos para produzir o material, como este da entrada do prédio?

Sim, porque para fazer um filme documentário precisa de dinheiro. Algo que já se torna vantagem na fotografia, onde em uma ação isolada e solitária se faz também um trabalho de documentação. Ao percebermos que precisaríamos correr em vistas das obras do prédio, começamos a realizar a produção na base do voluntariado de pessoas que conhecíamos e que são ligadas à área de cinema. Nós trabalhamos com três unidades de câmera onde entrevistamos as pessoas sob aquela paisagem destruída. Na época tinha muitas pessoas que trabalhava no JB e ficavam mais tempo lá do que em casa. As pessoas tinham uma relação muito afetiva com aquele espaço de trabalho. É fácil você pegar um jornalista que trabalhou em várias redações e esse sujeito declarar que o melhor lugar onde ele trabalhou foi no Jornal do Brasil.


Lá no JB - E como foram estes depoimentos?

Conseguimos reunir em media de cem pessoas e foi uma convocação espontânea pela internet. Tivemos limitar para este número por questões de segurança porque o local estava sem janela, sem porta de elevador, sem luz em alguns ambientes. Eu mesmo fui conhecer pessoalmente uma telefonista que na época só a conhecia pela voz. (risos) As filmagens começam às 12 horas e acabaram a acabaram por volta das 18 horas, algo importante porque tivemos um momento que não vai mais poder se repetir.


Maquinário abondonado do Prédio do JB.
Foto : Rogério Reis

“A máquina fotográfica é uma
extensão do olhar”
Afima Rogério.
Foto: Gabriel Bernardo.

Lá no JB - Como foi o seu trabalho como fotografo do Jornal Do Brasil nos anos 70?

Pude perceber um fato importante que foi o JB, influenciado pela direção da redação, em produzir uma fotografia mais pensada e crítica em favor da democracia e com mais liberdade, pois o país vivia no período da ditadura militar. Combinação de juízos de valores e resultado estético já era praticada, estimulada pela direção de redação. Tinha também uma equipe de fotógrafos que era considerado na época como a elite da fotografia brasileira. Eram fotógrafos que já tinham a sua marca autoral. Entendia-se que o maior patrimônio do jornal naquele momento era a liberdade de expressão e consolidar isso perante a opinião pública. Acho que a opinião pública acreditava no JB. Quando era editor de fotografia do Jornal, nos finais dos anos 90, fui ver a pauta o filho do Castor de Andrade, que era o Paulinho de Andrade, onde estava sendo condecorado com uma medalha. Nós partimos que uma visão mais irônica do fato, onde só interessava uma visão se fosse para criticar isso. O fotografo marco Antonio Resende fez uma foto espetacular. Quando a foto estava pronta demos o titulo “O poderoso chefão” .


A ideia que se tinha era provocar a ditadura”
relata Rogério. Miguel Arraes durante a anistia. Foto: Rogério Reis.


Lá no JB - Você fotografou pelo JB o período da Anistia de 1979 e do movimento Diretas Já. Como foi fotografar estes momentos políticos do Brasil?

Era uma época que trabalhamos com coração. Quando saímos, por exemplo, para cobrir uma passeata estudantil tínhamos que ter algumas estratégias de voltar para redação com os filmes. O grande mico da minha época era você ao cobrir um acontecimento, voltar para redação dizendo que tinha sido preso ou que tinha levado o seu filme. Portanto, tínhamos uma estratégia de sobrevivência que nós aprendemos a fazer. Nós enterrávamos filme no jardim de alguma praça ou então um colega passava o filme para outro, porque estava visado por ter tirado uma foto de alguém. Eu trabalhei bastante na época do governo do General João Batista Figueiredo, e a sua segurança pessoal nos provocava o tempo todo.Era comum chegarmos em casa com marcas de beliscão, pois os seguranças dele gostavam muito de nos beliscar, cutucar e empurrar a fim de atrapalhar o nosso trabalho, e isso era exatamente para entrar na provocação e eles terem o pretexto para tirar a credencial. Nós até usavamos duas camisetas no corpo para atenuar o beliscão.

Então para trazer a noticia para o leitor tínhamos que nos submeter a isso. Porém nós enganávamos a segurança do presidente quando tirávamos uma foto de alguém que eles não permitiam, eles pediam o filme e nós dávamos o filme errado, no dia seguinte, a foto estava lá publicada. Ai esse segurança marcava o rosto do fotografo e perseguia mais para frente.



Lá no JB - Como os outros jornais viam o JB? Principalmente os jornais estrangeiros?

O Jornal era muito respeitado até por ter o nome “do Brasil”. Uma coisa que chamava bastante atenção era quando os jornalistas do New York times, do El País, do Expresso (Jornal em Portugal) vinham visitar o prédio, perguntavam assim: “ouantos jornais se fazem aqui dentro?” Nós respondíamos: um jornal só. Isso causava um espanto. Era uma época onde o JB tinha correspondente em quase todos lugares do mundo. Uma coisa curiosa é que aquele prédio foi construído para ter uma emissora de TV, e parece que a família Brito perdeu a concessão de TV para o Silvio Santos por conta de negociação com o governo. Acho que o sujeito que projetou aquele prédio, fez no intuito de ser rádio, televisão, revista etc.



Passeata. Foto: Rogério Reis



Lá no JB - Como os jornalistas se deslocavam para fazer as pautas, já que o prédio era isolado e distante do Centro da Cidade?

Apesar de eu não ter trabalhado com os jornalistas que chegaram lá em 1973, eu cheguei em 1977, pude perceber algumas coisas neste sentido. Os jornalistas reclamavam porque era bem diferente de trabalhar na Av. Rio Branco. Mas na Av. Brasil existia um serviço de Kombi que a cada quinze minutos que levava até o centro, além de uma cooperativa de táxi nos fundos do prédio, que também prestava serviço para o jornal. Isso ajudava a amenizar o isolamento. Apesar disto o local tinha uma vantagem, pois era um ponto de bom escoamento. Por exemplo, se acontecesse um fato na Zona Oeste, tinha-se um fácil acesso. Outra coisa que acontecia por conta disso que era que as pessoas tinham que lanchar, fazer as refeições dentro do jornal, e quando saia era para trabalhar.



Fernando Gabeira na anistia em 1979. Foto: Rogério Reis



Teotônio Vilela visita presos políticos. Foto: Rogério Reis

Lá no JB - O que é a fotografia para você hoje?

A máquina fotográfica é um meio de expressão como qualquer outro. Meu objetivo na fotografia é fazer uma crônica visual. Hoje em dia a fotografia digital possibilita a democratização do fazer fotográfico e neste sentido considero uma coisa importante: Está na hora de criarmos o prêmio repórter cidadão porque existem hoje matérias maravilhosas, principalmente denúncias, que são feitas por pessoas que não estão no jornalismo, ou seja, a cidade ser monitorada por ela mesma. Isso é fantástico e um grande passo para cidadania. Existem hoje o Viva favela, a Escola da Maré e outros. Na medida em que todos fotografam, o fotografo profissional é obrigado a buscar uma sofisticação de linguagem.







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