sexta-feira, 19 de novembro de 2010

“Quem não deve não treme’ - o estilo inconfundível de Zózimo

Reverenciado como um exemplo de credibilidade, Zózimo Barrozo do Amaral começou no Jornal do Brasil em 1969. Suas notas não se restringiam a narrar a forma de viver da alta sociedade, abordando também bastidores da política e a assuntos econômicos. Durante os mais de 20 anos em que esteve no JB, acumulou a função de editor do Caderno B e do Informe JB.

Seus textos destacavam-se pela maneira sutil e concisa com que passavam as mensagens desejadas. Além disso, suas notas evidenciavam grande habilidade para conseguir obter as notícias sempre em primeira mão. Como no caso em que descobriu que o cirurgião Ivo Pitanguy faria uma viagem para operar a duquesa de Windsor antes de o mesmo ter sido comunicado. Ou de ter dado a notícia antes da editoria de esportes, informando que a seleção brasileira disputaria um torneio internacional em Mônaco.


Preso duas vezes durante os tempos sombrios do AI-5, Zózimo não deixou de escrever a sua coluna de maneira mordaz e bem-humorada. Autor de jargões que marcaram época, foi autor do termo “esticada”, palavra utilizada para denominar a continuidade de alguma comemoração em um outro ambiente. Algumas de suas frases ficaram bastante conhecidas até por quem jamais leu as suas colunas, como: “Brega é perguntar o que é chique.Chique é não responder”. “O problema de Brasília é o tráfego de influência, já no Rio de Janeiro o problema é a influência do tráfico”. “Quem não deve não treme”.

No ano de 1993, Zózimo retornou ao jornal O Globo, onde iniciara a carreira, em 1963. Permaneceu no jornal até a sua morte causada por um tumor, aos 58 anos de idade. Seu nome, batiza, desde 2001, uma praça e uma estátua de bronze no final da avenida Bartolomeu Mitre, no Leblon, onde sempre passeava de bibicleta.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Fotografia como documento social


Com mais de 150 fotos estampadas na primeira página no Jornal do Brasil, ao longo de duas passagens pelo periódico, o repórter fotográfico, mestre em Antropologia e Ciências Políticas e membro do Conselho Deliberativo da ABI, Alcyr Cavalcanti conversou com o Lá no JB sobre sua trajetória pelo jornal e fez uma análise sobre as consequências dos avanços tecnológicos na fotografia.


Lá no JB: Como foi o início da sua carreira profissional como fotógrafo?

Alcyr: Comecei a fotografia em 71, no jornal O Fluminense, em Niterói e depois passei por vários jornais. Fui trabalhar no Jornal do Brasil, primeiro em 1987 e fiquei até abril de 88. Fui convidado por amigos. Trabalhava na Tribuna da Imprensa e tinha saído recentemente do Globo.

Lá no JB: E a sua passagem pelo Jornal do Brasil?

Alcyr: Fui convidado pelo diretor de fotografia Alberto Ferreira. Era o primeiro fotógrafo a chegar. Depois ia para a Tribuna, após algum tempo, fiquei só no JB que era de fato uma referência, ele aproveitava muito bem a fotografia, desde a reforma gráfica feita pelo Amílcar de Castro. Embora já estivesse começando a entrar em decadência era um jornal que dava nome ao profissional, era melhor profissionalmente. O Alberto Ferreira, talvez o melhor editor de fotografia que o Brasil já teve, era passional, mas para ele a fotografia não era um mero acessório, ele impunha a fotografia que ele queria e isso era muito bom para o fotógrafo. Principalmente para um fotógrafo que ele gostasse, porque ele trabalhava pela foto e com grandes ampliações. Tive nessa equipe muitas primeiras páginas. Muitas vezes a fotografia era o mais importante no JB e para nós fotógrafos isso era muito gratificante. Em fevereiro de 1988, eu fiz uma das melhores reportagens da minha vida com o jornalista Jorge Antônio Barros. Foi uma matéria sobre a guerra entre o narcotráfico e jogo do bicho. Na época, o JB não publicava extrema violência, mas publicou e deu um caderno inteiro sobre Rocinha. Nós ficamos lá por dez dias e a reportagem ganhou o Premio Esso. Sai de lá em 1988 quando chegou um novo diretor de fotografia que vinha de revista e tinha outra concepção. Na época, era nítida a diferença entre o fotojornalista clássico e o de revista. O fotojornalista clássico resolve da melhor maneira possível dentro da regra da estética, da pintura, em uma fração de segundos. Tem de noção de composição, agilidade. Eu me senti um pouco desgastado. Em 1990, na época da Copa do Mundo, fui convidado pelo Evandro Teixeira para voltar ao JB. Tive como editor o Rogério Reis. Entre 1990 e 1994, foram mais de 150 primeiras capas, algumas muito importantes. Tive a oportunidade de viajar com a seleção brasileira e de fotografar em 1991 para o centenário do jornal o empresário e dono do Jornal do Brasil na época, Nascimento Brito e o Barbosa Lima Sobrinho.

Lá no JB: Dos prêmios que você já recebeu como fotógrafo, qual o que mais te emocionou?

Alcyr: Na verdade, eu participei mais como jurado do que concorri. Dos poucos que ganhei, os que mais me emocionaram foram o Kodak/Fenaj, em 1988, sobre violência urbana e o prêmio José Martí, de Havana, em 1983, sobre a remoção de favelados.

A morte de um traficante: foto premiada em 1988


Lá no JB: Seus trabalhos mostram uma visão crítica acerca dos contrastes da nossa sociedade. Você acredita que a fotografia funciona como um documento social?

Alcyr: Sim. Minhas fotografias são muito marcadas pelas críticas sociais, pelo flagrante que é o momento que não se repete. Fotojornalismo é ação. A tecnologia até contribui para isso, mas só um cérebro pensante para saber a lente que vai usar e qual recorte que vai fazer. É documento histórico, evidente que é o fotógrafo que fará o recorte da sociedade, porque o mundo infelizmente não é o que a gente gostaria que fosse, então fica como documento. O que faz uma foto ser bem-vinda ou não é o resultado, e sim, o quanto vai beneficiar ou prejudicar.

Desabamento da clínica Santa Genoveva

Lá no JB: Em recente entrevista para o Lá no JB, o fotógrafo Rogério Reis falou sobre os momentos difíceis pelos quais os jornalistas e fotógrafos passavam à época do governo do General João Baptista Figueiredo. E para você? Como foi ser fotógrafo durante o período da ditadura?

Alcyr: Eu comecei em 1971, em plena ditadura, uma série de coisas não podia fotografar. Eu nessa época andava sempre com câmera, só que não podia passar nem na porta do quartel da polícia e dos consulados. Tinha de passar do outro lado da calçada porque era muita repressão, uma série de fotografias não foram publicadas. Em 1978, eu trabalhava como free lancer num jornal e fui processado na Lei de Segurança Nacional por ter fotografado, na rua de Santana, no Estácio, uma comunidade de mendigos que bebiam éter, brigavam, e um deles fez sexo oral com a mulher. Estava no processo de abertura, não havia mais espancamento e tortura, porém, o delegado afirmou que eu os havia induzido a fazer isso. E neguei e pedi perícia para comprovar que pela objetiva usada e pela distância (cerca de 30 metros) não tinha possibilidade de ter induzido. Também expliquei ao delegado que havia uma delegacia policial próxima a cena e se aquilo era um crime, a sociedade tinha de resolver, não eu. O jornalista tem a obrigação de registrar o fato. Assim é a reportagem fotográfica: o que você vê na rua, fotografa. É um flagrante, você não produz a cena. A vida é muito rica, fazer um registro do cotidiano, dentro de algumas regras e com uma linguagem própria, no jornalismo é muito importante.

Lá no JB: Você acredita que as novas tecnologias (como a câmera digital e os modernos programas de edição de fotos no computador) vieram para agregar ou representam uma ameaça ao fotojornalismo?

Alcyr: As novas tecnologias são um grande avanço para a humanidade. Portanto, eu as vejo de uma maneira perversa. Não há nada na vida que seja totalmente bom ou totalmente ruim. O lado perverso é a demissão. Várias profissões terminaram com as novas tecnologias. Uma das características dessa fase do capitalismo é a questão da velocidade e a rapidez, e isso as tecnologias trazem. Eu evidentemente para sobreviver, deixei a máquina de escrever de lado, fui obrigado a comprar o computador, que é somente uma ferramenta.
Lá no JB: Acredita que o trabalho de fotojornalismo estará ameaçado?

Alcyr: A ameaça é inerente ao processo, porque ele vai diminuir a frente de trabalho. Você é obrigado a se adaptar aos novos tempos. As transmissões têm de ser feitas com muita rapidez no chamado tempo real. Há alguns anos, teve uma enchente no Rio de Janeiro, eu comecei a fotografar um grupo de pessoas que tentava passar pela área alagada, perto do Viaduto dos Marinheiros. Eu estava com uma câmera muito boa, de uma lente só, aí veio o problema: dois filmes eram para luz do sol e estava um dia chuvoso, mas eu consegui controlar bem. Fui ao laboratório de revelação, e mandei fazer uma série de cópias que levou três horas para ficarem prontas. Se eu tivesse fotografado com uma câmera digital, seria muito mais rápido. Os fotógrafos hoje em dia conseguem fotografar e enviar a foto prontamente fazendo uso de laptops com acesso a Internet.

Lá no JB: Como foi para você essa migração do Jornal do Brasil impresso para a plataforma virtual?

Alcyr: O JB teve cem anos de êxito e vinte de fracasso. A decadência começou na década de 70, quando ele perdeu a concessão de TV. O prédio da Avenida Brasil era muito grande e várias salas ficavam vazias. Hoje em dia, um jornal não pode ser tão grande assim. Ele era um jornal muito bem feito, que permitia avanço, dava amplitude. É uma pena que o jornal tenha entrado num processo de decadência que eu acredito que seja difícil de reverter, embora esteja se inserindo na linguagem da internet e dos blogs.

Lá no JB: O que a fotografia representa na sua vida?

Alcyr: A fotografia sempre foi uma grande paixão, um meio de vida e sustento. Certa vez, me perguntaram se a fotografia muda o mundo no sentido revolucionário. Acho que não. A fotografia leva as pessoas a raciocinar, a refletir. A crise do capital fez com que houvesse uma mudança de enfoque. A foto de uma celebridade, vale mais que a de um acidente, que é um recorte da sociedade.